Quem não lê não escreve - Wander Soares

O resultado, expresso em pesquisa do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), deve servir de alerta para os responsáveis pela gestão do ensino, os professores e pais de alunos. Não é sem razão que os estudantes brasileiros reagiram de forma tão contundente ao antigo Provão /"ENADE" instituído pelo Ministério da Educação, que expõe o despreparo com que nossos alunos saem das universidades.

O problema apontado pela pesquisa, que inclui outras áreas do conhecimento, como matemática, poderia ser simplesmente atribuído, numa análise mais simplista e superficial, à má qualidade do ensino público. O estudo, entretanto, também abrange os alunos das escolas particulares, nas quais, em tese, se pratica ensino de melhor nível.

Fica claro que a questão é mais abrangente e grave, merecendo a atenção de toda a sociedade e das autoridades no novo limiar do séc. XXI.
Seria ingenuidade, para não falar em omissão histórica, imaginar que possamos conquistar o desenvolvimento sem preparar adequadamente nossos jovens para um mundo em que a informação, em todas as áreas do conhecimento humano, será um diferencial decisivo para delimitar o grau de independência e competitividade de países, empresas, instituições e, sobretudo, indivíduos.

Não bastam tecnologia de ponta, redução de custos, programas de qualidade e produtividade. Para participar da globalização com vantagens competitivas, o Brasil precisa de valores humanos, cujos talentos, cultura, criatividade e preparo são requisitos fundamentais no desenvolvimento.

Observa-se no país, contudo, uma perigosa desvalorização da cultura básica, da erudição e do conhecimento. A informação / leia-se: LEITURA científica e humanística é 'pelletizada' em apostilas, na 'indústria' do vestibular ou na realidade virtual da multimídia eletrônica.

A grande maioria dos cursos de Ensino Médio e 'cursinhos' prepara o aluno apenas para realizar a prova, mas não desenvolve nele o senso crítico e o conhecimento de base.

Obras literárias importantes são resumidas, de forma pobre e descaracterizada, em poucos parágrafos. As apostilas são confeccionadas sem estudos prévios, ao contrário do que ocorre com os livros, que demandam anos de pesquisas por profissionais, especialistas, intelectuais, escritores e cientistas, contendo ilustrações detalhadas e informações completas.

Já sem cultura básica, nossos jovens também não são estimulados à leitura de jornais, revistas, livros, romances que também se constituem em fonte imprescindível de informação e formação.

Os estudantes sabem manipular com habilidade os rnicrocomputadores, em casa e, de forma crescente, também nas escolas, públicas e privadas. 'Navegam' com fluidez na Internet, mas não capazes de interpretar um texto de Machado de Assis; são verdadeiros ases das artes marciais dos jogos eletrônicos virtuais, mas não conseguem redigir um texto com princípio, rneio e fim, estilo, forma e linguagem; "conversam" com colegas de outros continentes, via modem, mas atentam contra o idioma com seu pobre vocabulário.

Nossos jovens têm acesso a todos os canais da era da informação, mas não têm informação. Por isso, no ano decisivo de disputa de uma vaga na universidade, recorrem a cursos especializados em vestibulares, que treinam, mas não ensinam.

As escolas brasileiras não possuem bibliotecas. As raras existentes são incompletas e, o que é pior, pouco frequentadas. Em casa, a leitura de livros, igualmente, não é estimulada. Nada contra a informática, a multimídia e a realidade virtual. É inadmissível, porém, a ausência de formação intelectual e a alienação diante da realidade tangível.

Para reverter esse quadro - uma responsabilidade de autoridades, educadores, professores e pais -, não basta oferecer aos alunos os imprescindíveis livros didáticos. É preciso oferecer-lhes incentivo e meios
de lerem os principais autores nacionais e internacionais, da literatura de ficção e não-ficção, jornais, revistas e obras científicas e humanísticas. Essa é a forma de construirmos uma sociedade inteligente, culta e capaz de conduzir o Brasil a um destino melhor.

Como reflexão, fica o alerta de Bill Gates, o multimilionário gênio da informática, que, sem qualquer constrangimento, afirmou: "meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros". Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive sua própria história.


Folha de São Paulo, 24 de fevereiro de 1997.
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