A verdade ganhará sempre - Julian Assange

Em 1958 um jovem Rupert Murdoch, então proprietário e editor do The News de Adelaide (Austrália), escreveu: "Na corrida entre o segredo e a verdade, parece inevitável que a verdade sempre vença."

Sua observação talvez tenha sido um reflexo da revelação de seu pai, Keith Murdoch, sobre o sacrifício desnecessário de tropas australianas nas costas de Gallipoli, por parte de comandantes britânicos incompetentes. Os britânicos tentaram calá-lo, mas Keith Murdoch não seria silenciado e seus esforços levaram ao término da desastrosa campanha de Gallipoli.

Quase um século depois, o Wikileaks também publica sem medo fatos que precisam ser tornados públicos.
Eu cresci numa cidade do interior do estado de Queensland, onde as pessoas falavam de maneira curta e grossa aquilo que pensavam. Eles desconfiavam do governo (big government) como algo que poderia ser corrompido caso não fosse vigiado cuidadosamente. Os dias sombrios de corrupção no governo de Queensland, que antecederam a investigação Fitzgerald, são testemunhos do que acontece quando políticos impedem a mídia de reportar a verdade.

Essas coisas ficaram comigo. O Wikileaks foi criado em torno desses valores centrais. A ideia concebida na Austrália era usar as tecnologias da internet de maneira a reportar a verdade. O Wikileaks cunhou um novo tipo de jornalismo: o jornalismo científico. Nós trabalhamos com outros suportes de mídia para trazer as notícias para as pessoas, mas também para provar que essas notícias são verdadeiras. O jornalismo científico permite que você leia as notícias, e então clique num link para ver o documento original no qual a notícia foi baseada. Desta maneira você mesmo pode julgar: esta notícia é verdadeira?, os jornalistas a reportaram de maneira precisa?

Palavra crítica
Sociedades democráticas precisam de uma mídia forte e o Wikileaks faz parte dessa mídia. A mídia ajuda a manter um governo honesto. Wikileaks revelou algumas duras verdades sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão, e notícias defeituosas (broken stories) sobre corrupção corporativa.

As pessoas afirmaram que sou antiguerra: que fique registrado, eu não sou. Algumas vezes, nações precisam ir à guerra, e simplesmente há guerras. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir à sua população sobre estas guerras, e então pedir a estes mesmos cidadãos que coloquem suas vidas e o dinheiro de seus impostos a serviço dessas mentiras. Se uma guerra é justificável, então diga a verdade e a população dirá se deve apoiá-la ou não.

Se você leu qualquer um dos relatórios de guerra sobre o Afeganistão e o Iraque, qualquer um dos telegramas das embaixadas estadunidense ou qualquer uma das notícias sobre as coisas que o Wikileaks tem reportado, considere quão importante é que toda a mídia possa reportar tais fatos livremente.

O Wikileaks não é o único que publicou os telegramas das embaixadas dos Estados Unidos. Outros suportes de mídia, incluindo o britânico The Guardian, o The New York Times, o El País e o Der Spiegel na Alemanha publicaram os mesmos telegramas. Porém é o Wikileaks, como coordenador destes outros grupos, que tem sido alvo dos mais virulentos ataques e acusações por parte do governo estadunidense e seus acólitos. Eu tenho sido acusado de traição, mesmo sendo cidadão australiano e não estadunidense. Tem havido inúmeros sérios clamores nos EUA para que eu seja capturado por forças especiais estadunidenses. Sarah Palin diz que eu deveria ser "caçado como Osama Bin Laden". Uma lei republicana tramita no Senado norte-americano buscando declarar-me uma "ameaça transnacional" e tratar-me correspondentemente. Um assessor do gabinete do primeiro-ministro canadense clamou em rede nacional de televisão que eu fosse assassinado. Um blogueiro americano clamou para que o meu filho de 20 anos de idade aqui na Austrália fosse sequestrado e ferido por nenhum outro motivo além de um meio de chegar até mim.

E os australianos devem observar sem orgulho a desgraçada anuência a estes sentimentos por parte da primeira-ministra australiana Guillard e a secretária do Estado dos EUA Hillary Clinton, as quais não emitiram sequer uma palavra de crítica às demais organizações midiáticas. Isto por que o The Guardian, The New York Times e Der Spiegel são velhos e grandes, enquanto o Wikileaks é ainda jovem e pequeno.

Decisão histórica
Nós somos os vira-latas. O governo Guillard está tentando atirar no mensageiro porque não quer que a verdade seja revelada, incluindo informações sobre as suas próprias negociações diplomáticas e políticas.
Houve alguma resposta por parte do governo australiano às inúmeras ameaças públicas de violência contra mim e outros colaboradores do Wikileaks? Não me parece absurdo supor que a primeira-ministra australiana deveria estar defendendo os seus cidadãos de ações dessa natureza, porém, de sua parte, tem havido apenas alegações infundadas de ilegalidade. A primeira-ministra e especialmente o procurador-geral deveriam levar a cabo suas obrigações com dignidade e acima das disputas. Que fique claro que esses dois pretendem salvar a própria pele. Eles não conseguirão.

Toda vez que o Wikileaks publica a verdade sobre abusos cometidos pelas agências dos EUA, políticos australianos entoam o coro provavelmente falso com o Departamento de Estado: "Você colocará vidas em risco! Segurança nacional! Você colocará em perigo as nossas tropas!" E então eles dizem que não há nada de importante no que o Wikileaks publica.

Mas as nossas publicações estão longe de serem desimportantes. Os telegramas diplomáticos dos EUA revelam alguns fatos inquietantes:

** Os EUA pediram à sua diplomacia para que roubassem material humano (personal human material) e informações de oficiais da ONU e grupos de direitos humanos, incluindo DNA, impressões digital, scans de íris, números de cartão de crédito, senhas da internet e fotos de identificação, em violação a tratados internacionais. É provável que diplomatas australianos da ONU também sejam alvos.

** O rei Abdullah da Arábia Saudita pediu aos oficiais dos EUA na Jordânia e Bahrein que interrompam o programa nuclear iraniano a qualquer custo.

** A investigação britânica sobre o Iraque foi adulterada para proteger "interesses dos EUA"

** A Suécia é um membro secreto da OTAN e a inteligência dos EUA não divulga suas informações ao parlamento.

** Os EUA está forçando a barra para tentar fazer com que outros países recebam detentos libertados de Guantanamo. Barack Obama concordou em encontrar o presidente esloveno apenas se a Eslovênia recebesse um prisioneiro. Nosso vizinho do Pacífico, Kiribati, foi oferecido milhões de dólares para receber detentos.

Em sua decisão histórica no caso dos Documentos do Pentágono, a Suprema Corte Americana disse: "Apenas uma imprensa livre e sem amarras pode eficientemente expor fraudes no governo". A tempestade turbulenta em torno do Wikileaks hoje reforça a necessidade de defender o direito de toda a mídia de revelar a verdade.

Os limites da ciência

A Criação de Adão, por Michelangelo Buonarroti (domínio público)

Incapazes de montar um argumento científico eficiente, os defensores do Projeto Inteligente e das formas mais antigas do criacionismo recorrem à retórica. Eles afirmam, por exemplo, que a evolução é na verdade uma ideologia, nascida de um culto ao naturalismo, que afirma que Deus não tem função no universo e que os eventos possuem apenas causas naturais. Os darwinistas “aderiram ao mito a partir do interesse próprio e do desejo de eliminar Deus”, escreve Phillip Johnson, um professor de direito e criacionista confesso. Johnson afirma que os biólogos evolutivos se recusam a considerar a possibilidade de que uma intervenção sobrenatural tenha influenciado o universo e estão cegos diante das fraquezas da evolução. Em uma audiência justa – na qual a intervenção divina pudesse ser considerada uma explicação possível para a história da vida –, Johnson afirma que o criacionismo venceria.

Carta de Repúdio - por Andrea Grace

Carta de repúdio escrita por Andrea Grace, depois da "onda" de declarações preconceituosas iniciadas após as eleições, no twitter e facebook, contra os nordestinos.

Os insultos começaram com a declaração da estudante de direito paulista, Mayara Petruso (que já está sendo processada pela OAB-PE), na qual incitava as pessoas a "afogarem um nordestino":

“Nordestino não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado!”
 

Não sou uma pessoa que costuma envolver-se em polêmicas ou declarar seus posicionamentos de forma ferrenha, pois acredito na palavra “Democracia” em toda a sua extensão e profundidade. Entretanto, diante de alguns – para não dizer centenas - de comentários que li via twitter, decidi escrever essa carta.

No último dia 31/10, dia em que o Brasil votou e elegeu a sua primeira presidente mulher – um avanço para o nosso país – os nordestinos foram extremamente desrespeitados e discriminados por terem sido os protagonistas do resultado eleitoral nacional. Comentários como “pessoas sem esclarecimento”, “sem acesso a informação”, “alienadas” foram difundidas, em pleno século XXI, apregoando uma ideia ridícula de segregação do Norte e Nordeste, em relação ao resto do país.

Para surpresa de alguns desinformados que twitaram tais absurdos, nós nordestinos conseguimos ler, fato que alguns julgaram impossível, pois acreditavam que no Nordeste “ninguém sabia nem o que era twitter”. Engraçado é que muitos nordestinos acessam o twitter, o orkut, o facebook e os seus blogs, a partir de notebooks, netbooks, Iphones e Smartphones que, pasmem, nós sabemos o que é cada ferramenta dessa e trabalhamos a ponto de ter acesso a comprá-los, inclusive através dos websites do sudeste. É... os correios também atendem à região Nordeste...

Além disso, escrevo de uma cidade do interior paraibano – Campina Grande – situada entre as nove cidades tecnológicas do mundo, segundo a revista NewsWeek (vide: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=7202), exportando tecnologia da informação para países, como Espanha, EUA e China. Ademais, somos a primeira cidade do Brasil a dominar a tecnologia do plantio de algodão colorido ecologicamente correto. Vivemos num estado, assim como todos, com uma indiscutível má distribuição de renda, fato que não impede que campus de universidades particulares e públicas ofereçam oportunidades de acesso ao ensino superior a todas as classes sociais.

Dentro dessa desigualdade social, ferida aberta em todos os grandes centros urbanos, vemos shoppings (é... nós temos shoppings no Nordeste) oferecendo produtos que apenas uma parte da população pode ter acesso, contrastando com casas paupérrimas. Vemos as simples bicicletas, meio de transporte ultimamente eleito como o melhor para o meio ambiente, disputarem espaço com grandes carros de empresas estrangeiras, a exemplo da Hyndai, Honda, Kya, bem como com carros mais populares, produzidos pela Fiat, Chevrolet, e Volkswagen. É... aqui já faz algum tempo que a carroça deixou de ser o principal meio de transporte.

O que mais me assusta é que, diante de pessoas que se declaram tão superiores e esclarecidas, nós nordestinos demonstramos mais poder de decisão e escolha, pois não nos guiamos pelas opiniões alienantes e oligárquicas difundidas pelos principais meios de comunicação nacional. Fato que também deve estarrecer os mais desinformados, pois nós aqui temos televisão, inclusive de plasma, LCD e de LED, e recebemos os sinais das principais redes de televisões do Brasil, sem falar que nos mantemos informados também através de tvs à cabo – mais de uma empresa? – pois é... isso pode ser um tanto quanto impactante para alguns habitantes da parte inferior do nosso mapa brasileiro.

O que observamos é que o Brasil, nesses últimos quatro anos, assistiu a uma expansão do ensino superior, a uma diminuição da miserabilidade do país, a uma estabilidade econômica e a uma descentralização da distribuição de recursos federais, e isso foi determinante, acredito eu, para a escolha verificada com tanta revolta por alguns. A demagogia, o autoritarismo, os sorrisos forçados, a imagem da oligarquia não satisfaz mais a um povo que já sofreu muito com a falta de um olhar de credibilidade para a nossa região.

E para aqueles que não acompanharam muito de perto os resultados eleitorais por região, os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, localizados na região Sudeste, também elegeram a candidata petista. Apesar da grande votação da candidata petista na região Nordeste, essa decisão não foi tão unâmime como todos pensam, pois em Campina Grande, repito, na Paraíba, o candidato José Serra teve mais de 60% dos votos. O que prova que democracia é uma palavra que, além de exigir respeito, é imprevisível.

Por tudo isso, venho com todo o meu sentimento de pesar, pelos comentários lidos, não defender um candidato ou outro, mas defender o povo nordestino que possui o direito de votar, bem como todas as demais regiões possui, e esclarecer, àqueles que acreditam em sua superioridade de reflexão e tomada de decisões, que os nordestinos não são a escória do Brasil, mas que contribuímos economicamente com o nosso país e merecemos receber em troca investimento e respeito.

Aconselho também, a tais pessoas e às que pensam como elas, a conhecer o Brasil como um todo, antes de denegrir as pessoas, baseados em informações frágeis e opiniões preconceituosas. Quem não conhece o Nordeste, não acredite em tudo que é veiculado pela televisão: venha aqui e se encante!

Andrea Grace
(Nordestina, paraibana e mestranda em letras pela
Universidade Federal de Campina Grande)

Quem não lê não escreve - Wander Soares

O resultado, expresso em pesquisa do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), deve servir de alerta para os responsáveis pela gestão do ensino, os professores e pais de alunos. Não é sem razão que os estudantes brasileiros reagiram de forma tão contundente ao antigo Provão /"ENADE" instituído pelo Ministério da Educação, que expõe o despreparo com que nossos alunos saem das universidades.

O problema apontado pela pesquisa, que inclui outras áreas do conhecimento, como matemática, poderia ser simplesmente atribuído, numa análise mais simplista e superficial, à má qualidade do ensino público. O estudo, entretanto, também abrange os alunos das escolas particulares, nas quais, em tese, se pratica ensino de melhor nível.

Fica claro que a questão é mais abrangente e grave, merecendo a atenção de toda a sociedade e das autoridades no novo limiar do séc. XXI.
Seria ingenuidade, para não falar em omissão histórica, imaginar que possamos conquistar o desenvolvimento sem preparar adequadamente nossos jovens para um mundo em que a informação, em todas as áreas do conhecimento humano, será um diferencial decisivo para delimitar o grau de independência e competitividade de países, empresas, instituições e, sobretudo, indivíduos.

Não bastam tecnologia de ponta, redução de custos, programas de qualidade e produtividade. Para participar da globalização com vantagens competitivas, o Brasil precisa de valores humanos, cujos talentos, cultura, criatividade e preparo são requisitos fundamentais no desenvolvimento.

Observa-se no país, contudo, uma perigosa desvalorização da cultura básica, da erudição e do conhecimento. A informação / leia-se: LEITURA científica e humanística é 'pelletizada' em apostilas, na 'indústria' do vestibular ou na realidade virtual da multimídia eletrônica.

A grande maioria dos cursos de Ensino Médio e 'cursinhos' prepara o aluno apenas para realizar a prova, mas não desenvolve nele o senso crítico e o conhecimento de base.

Obras literárias importantes são resumidas, de forma pobre e descaracterizada, em poucos parágrafos. As apostilas são confeccionadas sem estudos prévios, ao contrário do que ocorre com os livros, que demandam anos de pesquisas por profissionais, especialistas, intelectuais, escritores e cientistas, contendo ilustrações detalhadas e informações completas.

Já sem cultura básica, nossos jovens também não são estimulados à leitura de jornais, revistas, livros, romances que também se constituem em fonte imprescindível de informação e formação.

Os estudantes sabem manipular com habilidade os rnicrocomputadores, em casa e, de forma crescente, também nas escolas, públicas e privadas. 'Navegam' com fluidez na Internet, mas não capazes de interpretar um texto de Machado de Assis; são verdadeiros ases das artes marciais dos jogos eletrônicos virtuais, mas não conseguem redigir um texto com princípio, rneio e fim, estilo, forma e linguagem; "conversam" com colegas de outros continentes, via modem, mas atentam contra o idioma com seu pobre vocabulário.

Nossos jovens têm acesso a todos os canais da era da informação, mas não têm informação. Por isso, no ano decisivo de disputa de uma vaga na universidade, recorrem a cursos especializados em vestibulares, que treinam, mas não ensinam.

As escolas brasileiras não possuem bibliotecas. As raras existentes são incompletas e, o que é pior, pouco frequentadas. Em casa, a leitura de livros, igualmente, não é estimulada. Nada contra a informática, a multimídia e a realidade virtual. É inadmissível, porém, a ausência de formação intelectual e a alienação diante da realidade tangível.

Para reverter esse quadro - uma responsabilidade de autoridades, educadores, professores e pais -, não basta oferecer aos alunos os imprescindíveis livros didáticos. É preciso oferecer-lhes incentivo e meios
de lerem os principais autores nacionais e internacionais, da literatura de ficção e não-ficção, jornais, revistas e obras científicas e humanísticas. Essa é a forma de construirmos uma sociedade inteligente, culta e capaz de conduzir o Brasil a um destino melhor.

Como reflexão, fica o alerta de Bill Gates, o multimilionário gênio da informática, que, sem qualquer constrangimento, afirmou: "meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros". Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive sua própria história.


Folha de São Paulo, 24 de fevereiro de 1997.

A Barca de Caronte

Aproveitando o âmbito do lançamento do filme Fúria de Titãs (Clash of Titans), eis a história de Caronte, o barqueiro do submundo


Os gregos e romanos da antiguidade acreditavam que essa era uma barca pequena na qual as almas faziam a travessia do Aqueronte, um rio de águas turbilhonantes que delimitava a região infernal. O nome desse rio veio de um dos filhos do Sol e da Terra, que por ter fornecido água aos titãs, inimigos de Zeus (Júpiter), foi por ele transformado em rio infernal. As suas águas negras e salobras corriam sob a terra em grande parte do seu percurso, donde o nome de rio do inferno, que também lhe davam.

Caronte era um barqueiro velho e esquálido, mas forte e vigoroso, que tinha como função atravessar as almas dos mortos para o outro lado do rio. Porém, só transportava as dos que tinham tido seus corpos devidamente sepultados e cobrava pela travessia, daí o costume de se colocar uma moeda na boca dos defuntos. Segundo o mitólogo Thomas Bulfinch, ele “recebia em seu barco pessoas de todas as espécies, heróis magnânimos, jovens e virgens, tão numerosos quanto as folhas do outono ou os bandos de ave que voam para o sul quando se aproxima o inverno. Todos se aglomeravam querendo passar, ansiosos por chegarem à margem oposta, mas o severo barqueiro somente levava aqueles que escolhia, empurrando o restante para trás”.

Segundo a lenda, o barqueiro concordava apenas com o embarque das almas para as quais os vivos haviam celebrado as devidas cerimônias fúnebres, enquanto as demais, cujos corpos não haviam sido convenientemente sepultados, não podiam atravessar o rio, pois estavam condenadas a vagar pela margem do Aqueronte durante cem anos, para cima e para baixo, até que depois de decorrido esse tempo elas final-mente pudessem ser levadas.

A região onde o poeta latino Virgílio (70 -19 a.C.) situa a entrada da caverna que leva às regiões infernais, é um trecho vulcânico perto do vulcão Vesúvio, na Itália, todo cortado de fendas por onde escapam chamas impregnadas de enxofre, enquanto do solo se desprendem vapores e se levantam ruídos misteriosos vindos das entranhas da terra. Por outro lado, o rio Aqueronte, que desaguava no mar Jônio, tinha suas nascentes localizadas no pântano de Aquerusa, charco próximo a uma das aberturas que os antigos acreditavam conduzir aos infernos.

Também chamado Barqueiro dos Mortos ou Barqueiro dos Infernos, Caronte não é mencionado nem por Hesíodo nem por Homero, mas as referências que os mitólogos fazem a seu respeito geralmente o apresentam como um deus idoso, mas imortal, de olhos vivos, o rosto majestoso e severo; sua barba é branca, longa e espessa, e suas vestes são de uma cor sombria, porque manchadas do negro limo dos rios infernais. A representação mais comum que os pintores antigos dele fizeram, é de pé sobre a sua barca, segurando o remo com as duas mãos. Um mortal nela não podia entrar, a não ser que tivesse como salvo-conduto um ramo de ouro de uma árvore fatídica consagrada a Proserpina, divindade que raptada por Plutão, tornou-se rainha das regiões das sombras. A Sibila (profetisa) de Cumas deu um desses ramos a Enéias, herói lendário, quando este quis descer aos infernos para rever seu pai. Pretende-se que Caronte foi punido e exilado durante um ano nas profundezas do Tártaro, por ter dado passagem a Hércules na sua barca, sem que esse herói tivesse o magnífico e precioso ramo em seu poder.

O estudo das sepulturas gregas do século IV a.C. revela a existência de uma crença na vida além túmulo. As pinturas nos vasos mortuários mostram os vivos voltando ao túmulo para enfeitar a lápide com fitas, untá-la de óleo ou então para depositar oferendas como frutas, vasinhos de argila, coroas de louros. Algumas vezes os vivos estão conversando com o morto, enquanto este toca algum instrumento distraidamente. Estes vasos pintados mostram ainda a famosa barca de Caronte, divindade encarregada de transportar para o mundo subterrâneo as almas daqueles que já haviam morrido.



Por FERNANDO KITZINGER DANNEMANN
Publicado no Recanto das Letras em 06/11/2006
Código do texto: T284094

Internet, o bem e o mal

Com suas maravilhas e armadilhas, a internet faz parte de meu cotidiano há muitos anos: fui dos primeiros escritores brasileiros a usar computador. Com ele, a cada manhã começa meu dia de trabalho, buscas e descobertas, pesquisa e comunicação. A internet, que isola os misantropos avessos aos afetos, une os que gostariam de estar juntos ou partilham as mesmas ideias, mas também serve para toda sorte de fins destrutivos, que vão da calúnia política à vingança pessoal.

Talvez seja uma falha, mas nem tenho site: gosto da minha privacidade, num mundo que adora os holofotes e quer ser filmado, fotografado, estar em youtube e orkut, visto por webcams ou celulares indiscretos, por vezes perversos. De um lado, o vulgar: ditas celebridades curtem viver e morrer em cena, e fazem questão de mostrar, se possível, as entranhas. Exibem-se bundas e peitos, detalhes picantes (em geral desinteressantes) da vida pessoal, frivolidades, histeria ou maledicências. De outro lado, o grave. Exemplo: rapazes filmam num celular oculto cenas pessoais com suas namoradas ou amigas e as espalham via internet; com fotografias inocentes, criam-se imagens maldosas que acabam num youtube ou orkut, para alegria dos mentalmente maldotados. É bem triste que um meio de comunicação, pesquisa, lazer e descobertas como a internet seja usado tantas vezes para fins tão negativos.

[...]

Nos questionamentos sobre crianças e adolescentes que lidam com os meios eletrônicos, tenho uma sugestão: dar-lhes discernimento para que possam entender e escolher. Continua, porém, o drama da involuntária, muitas vezes nem sabida, exposição de pessoas desavisadas à maledicência e à calúnia, à invasão não consentida da privacidade pelas câmeras, às montagens sobre fotos banais, às informações falsas que alguns julgam engraçadas - toda sorte de maldade de que as vítimas não podem se defender. Tais indignidades jamais seriam feitas em público, ou assinadas embaixo: florescem na sombra da covardia e da mediocridade, do desrespeito e de poucas luzes intelectuais.

Se é ingenuidade ou desinformação mandar via internet textos apócrifos de Clarice, Drummond ou Borges, inventar uma falsa despedida de Garcia Márquez anunciando que está à beira da morte ou atribuir a Fernando Pessoa versinhos derramados, é cretino e mau denegrir pessoas que nem sabem o que lhes está acontecendo. Já existe uma instrumentação legal para caçar e punir pedófilos que tentam assassinar moralmente menores de idade. Agora, urge que se crie um equivalente para casos como os que acabo de citar, pois causam dor a quem não merece nem pode se explicar. E que ele seja muito eficaz: para que gente indefesa não tenha exibidas, por desaviso e inexperiência, intimidades próprias; nem se escrachem, por malignidade e deficiência mental, intimidades alheias.

Dois defeitos são inatos e incorrigíveis no ser humano, e de ambos nos livre o destino: burrice e mau caráter. O uso doentio de um instrumento tão fantástico quanto a internet, quando não é psicopatia, é urna conjunção desses dois melancólicos atributos.

Retirado de: LUFT, Lya. Internet, o bem e o mal. In VEJA - Ed. 2109, 22/04/2009. Disponível: http://veja.abril.com.br/

O mito dos 10% do cérebro

Quanto do seu cérebro você usa? E da sua capacidade? E do seu potencial?

Fonte: Época
Quem já não ouviu essa frase: "Usamos apenas 10% do cérebro"? Em 1999, quando passei a trabalhar em divulgação científica, quis começar investigando o que o público conhecia e pensava sobre o cérebro. Numa pesquisa chamada "Você conhece seu cérebro?", perguntei a 2 mil cariocas, entre outras coisas, se eles concordavam com a célebre frase. A metade concordou. Fiz a mesma pergunta a 35 neurocientistas, e a frase foi prontamente recusada. A razão? Essa história de usar 10% do cérebro nada mais é do que um mito.

Vamos deixar claro logo do começo: não há qualquer razão científica para supor que usamos 10% do nosso cérebro. Nem 10% dos nossos neurônios. Nem 10% da nossa capacidade. Todas as evidências sugerem o contrário: usamos nosso cérebro inteiro. Os 10% ficam por conta da imaginação de quem conseguiu convencer quase metade da população do Rio de Janeiro a aceitar esse mito.

É verdade que, à primeira vista, a ideia de usar somente 10% do cérebro parece muito convidativa. Usando apenas 10% do cérebro, teríamos 90% de reserva, e se conseguíssemos aprender a usar esse "potencial" poderíamos ficar dez vezes mais inteligentes, memorizar dez vezes mais fatos, fazer contas dez vezes mais rápido... Só que não é assim.

O pior é que as consequências são graves. Quem acredita que 90% do seu cérebro são dispensáveis não tem por que evitar choques na cabeça, usando capacete na motocicleta ou cinto de segurança no carro. Quem não sabe que usa seu cérebro inteiro a todo momento ainda não faz ideia da maravilha que tem dentro da cabeça. E de quebra fica susceptível ao assédio de livros e cursos que se autodenominam "científicos" e pretendem ensinar "como usar os outros 90%". Espalhar o mito de que usamos 10% do cérebro ou da sua capacidade é um dos grandes desfavores que a mídia já fez ao homem e à ciência.

É difícil definir como surgiu esse mito, mas há uma possibilidade interessante. No começo do século XX, quando a ciência tentava identificar a localização das funções mentais no cérebro, um influente psicólogo americano, Karl Lashley (1890-1958), tinha uma opinião diferente. Lashley acreditava que o importante era haver uma massa suficiente de neurônios distribuída pelo cérebro, e não sua posição específica dentro dele. Um de seus principais argumentos era o de que a maior parte do córtex cerebral de ratos de laboratório - quase 90% - podia ser removida, e mesmo assim os animais ainda eram capazes de encontrar a saída de um labirinto.

O que Lashley esqueceu de considerar foi que os animais operados poderiam, por exemplo, usar os sentidos restantes para compensar um sentido lesado e ainda conseguir deixar o labirinto. Mesmo assim, os números eram impressionantes, e para alguém - não foi Lashley - concluir que bastavam 10% do cérebro para a memória funcionar era só um pulinho. E daí basta inverter a lógica para "deduzir" que apenas 10% do cérebro são usados.

Essa é apenas uma origem possível para o mito dos 10%. Em princípio, há várias maneiras de usar só 10% do cérebro: usando 10% da massa cerebral, 10% dos neurônios, ou 10% do potencial... Mas não importa: em qualquer um dos três casos, toda a ciência aponta para o contrário. Se são 10% da massa cerebral, 90% do que temos dentro da cabeça deveriam então ser dispensáveis. E, no entanto, lesões do cérebro humano, mesmo pequenas, podem ter consequências graves para o intelecto e o comportamento. Se são 10% dos neurônios, os outros 90% deveriam ser silenciosos, ou então redundantes, servindo só como "reservas". Mas é possível "escutar" as células nervosas em atividade, e em sua grande maioria elas estão ativas e respondem por algum aspecto do mundo ou do comportamento. E se são 10% da capacidade de desenvolvimento intelectual... será que alguém sabe o que seriam os 100%?

Uma dificuldade para aceitar que usamos 100% do cérebro pode ser a pergunta inevitável de quem estava convencido do contrário: se tudo é usado, como então é possível desenvolver nossas habilidades? A resposta está na mais maravilhosa e característica propriedade do sistema nervoso: a capacidade de fazer novas combinações entre seus elementos, e de mudar a eficiência das conexões - as sinapses - já existentes. Quando a eficiência aumenta, a conexão entre dois neurônios fica "fortalecida"; quando diminui, a conexão fica "enfraquecida". Além do mais, nenhuma conexão é fixa; uma conexão enfraquecida demais pode ser eliminada, e uma nova pode ser feita em outro lugar, com outro neurônio. Fortalecer essas novas conexões, estabilizando-as, é uma maneira de criar novas associações. Os neurocientistas hoje estão convencidos de que é essa a base do aprendizado. Como sempre se pode tirar uma conexão daqui e criar outra ali, será sempre possível fazer mais uma combinação, mais uma associação entre neurônios, e aprender mais alguma coisa.

Talvez nem sempre fique tudo na lembrança; talvez seja mesmo necessário esquecer algumas coisas para poder lembrar de outras. Não importa. Aprender, a mais nobre função do cérebro, não funciona a 10%, nem a 100%, nem a 1% da sua capacidade. Não há limite. Simplesmente funciona.


Retirado de: HOUZEL, Suzana Herculano-. O cérebro nosso de cada dia: descobertas da neurociência sobre a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2002.

Mantenha sua privacidade na rede

Longe de serem moda passageira, as redes sociais chegaram para ficar - e já fazem parte do dia-a-dia de muita gente. No entanto, é preciso manter as informações pessoais em segurança: "#fato".

Guardadas as devidas proporções, a internet é o reflexo eletrônico do mundo real. E tanto lá quanto cá, é preciso tomar cuidado com o que se diz ou se mostra por aí: suas palavras, fotos e informações pessoais podem cair em mãos erradas.

No entanto, desde quando o filósofo grego Aristóteles afirmou que o homem é um animal gregário, ou seja, vive em bandos ou sociedade, cada vez mais procuramos meios de nos comunicar mais eficientemente. E eis o paradoxo: à medida que crescem e se diversificam os meios para nos comunicarmos, maior é o cuidado que devemos ter com o que dizemos.

Hoje em dia, principalmente entre os mais jovens, quem nunca leu ou ouviu falar do Twitter, Sonico, Facebook, MySpace, LinkedIN, Yahoo! Respostas, Flickr ou Orkut, é considerado um ser de outro planeta. Para se ter uma ideia da dimensão dessa realidade, apenas no site agregador de redes sociais Meadiciona.com existem "só" 1327 serviços cadastrados. E a tendência é que surjam outras mais em questão de dias (ou horas?).

Somando a essa necessidade humana de socialização com a facilidade de comunicação proposta pela internet, as redes sociais se proliferaram e passaram a fazer parte da vida das pessoas. Um exemplo bem atual é a página do Twitter do BBB.

Funciona assim: você segue os participantes que mais te agradam e toda vez que atualizam o microblog, você recebe um tweet informando sobre a atualização com um link para ler a mensagem no portal Globo.com. Pronto, mais uma rede foi formada: além de conferir os tweets dos seus participantes preferidos, você verifica os dos outros (mesmo daqueles que você não segue). Agora, poucos cliques o separam de uma espiadela no blog, nos vídeos, fotos ou mesmo nas informações pessoais de cada um deles - as quais passaram a estar relacionadas às suas, já que você se cadastrou no twitter e na globo.com....

Em resumo: todos sabemos que a vida dos "brothers" está aí para todos verem. Mas... e as nossas?

Vale o que a mamãe dizia
Aprendemos desde cedo que não devemos falar com estranhos. Também nos é ensinado a não colocar na porta de casa um cartaz com o seu telefone, preferências pessoais, sua agenda com seus compromissos e horários, não é? Da mesma forma que detalhes de nossa vida particular não são expostos ao público no mundo off-line, alguns cuidados devem ser tomados para não vermos nossas informações circulando por aí. Lembre-se: assim como na sociedade "lá fora", aqui também há má intenção.

E claro, há sempre a Lei de Murphy para nos complicar, como o que aconteceu com aquela mensagem falando mal do seu chefe e que acabou chegando aos olhos dele ou com o namoro que acabou por causa de uma foto que o amigo do seu amigo postou no Orkut - e que você nem se lembra de ter tirado.

Redes do mal
As redes sociais são excelentes ferramentas para aproximar pessoas, mas também facilitam a criação de perfis e comunidades voltadas a atividades ilegais. Em março de 2008, o Orkut foi obrigado a revelar à polícia os dados de usuários de uma rede de pedófilos. Em maio de 2006, não só ela foi retirada do ar mas diversas outras comunidades consideradas criminosas pelas autoridades.

Tudo isso é muito sério. Tanto que muitos sequestros tem ocorrido porque muitas pessoas tem divulgado informações demais, muitas vezes junto com fotos delas ao lado de carros importados, joias ou em viagens no exterior.

Um vídeo, em espanhol, pede para usuários refletirem antes de colocar alguma foto na internet.

Esse tipo de ação tem atingido um nível de sofisticação tamanho que até termos foram criados para designar atividades específicas, como o _cyberbullying_. Tal qual o bullying, uma prática realizada geralmente por estudantes, ela tem o objetivo de intimidar e humilhar sistematicamente um indivíduo em especial (outro aluno, um professor ou mesmo um desconhecido) por longos períodos de tempo, muitas vezes culminando em agressões físicas. Com a ajuda dos recursos da internet, os insultos se multiplicam rapidamente e ainda contribuem para contaminar outras pessoas que conhecem a vítima. 

Outro exemplo do quão insegura é a web é dado pelo site PIPL, o qual busca pela rede todos os dados referentes a determinada pessoa, tanto pelo nome, quanto telefone ou apelidos adotados em... redes sociais!

Como bloquear e privar suas informações das redes sociais mais famosas?

No facebook: Clique em "conta" no canto superior direito, e selecione a opção "Configuração de privacidade".

No Orkut: clique em "Configurações" na lista de menus do canto esquerdo, depois clique na aba ‘privacidade'. A alteração dos álbuns, recados, depoimentos e vídeos são feitas por lá, e também você pode deixar oculta suas visitações nos perfis alheios. Você também não vai mais saber quem visitou seu perfil.


No Myspace: clique em ‘perfil', no canto superior esquerdo, na lista de menus clique em ‘Personalizar', as configurações de privacidade pode ser para ‘Todos", "amigos somente" e "somente eu". Ainda há a opção de criar grupos de amigos, e assim, definir qual tipo de atualização ou quais álbuns esse grupo acessará.

No Twitter: clique em Settings, e selecione a opção "Protect my tweets", assim somente seus seguidores terão acesso aos seus tweets, e quando um novo seguidor der um Follow (te seguir) você tem a opção de aceitar o usuário ou não como seu seguidor.

É sempre bom lembrar:

+ Evite publicar informações como número telefone, endereço residencial ou onde estuda;
+ Proteja seus dados financeiros como números de conta corrente, de cartão de crédito e senhas
+ Nunca publique seu número de identidade e de CPF;
+ Encare as redes sociais como vitrines no ciberespaço. Tanto seus amigos quanto policiais, colegas de trabalho, funcionários, vizinhos chatos podem ler o que você escreve;
+ Não se omita! Não basta apenas não concordar ou não fazer parte: denuncie o _cyberbullying_ a um adulto de confiança;
+ Se você usa sala de bate-papo ou programas de mensagens instantâneas, procure usar nomes que não revelem nenhuma informação pessoal;
+ É aconselhável que os omputadores estejam em áreas de acesso comum da casa;
+ Pense duas vezes antes de baixar arquivos e abrir emails - seja de destinatários desconhecidos ou não.



Retirado de: Plug e Play - Tecnologia Fácil - http://br.especiais.yahoo.com/plug-play/artigo/post/tech_noticias/43/Mantenha-sua-privacidade-na-rede.html

Do mito à filosofia

O Pensador, de Auguste Rodin.
Fonte: Musée Rodin
A filosofia é uma velha senhora de aproximadamente 2500 anos. Uma idade respeitável na história ocidental. Para muitos, inclusive, ela é tida como a mãe de todas as ciências ocidentais, onde a razão começou a dar seus primeiros passos sistemáticos, engatinhando titubeante nos caminhos da razão filosófica.

Com estes primeiros passos vieram, ao longo dos milênios, muitos sistemas complexos de pensamento, muitas dúvidas, muitas perguntas, novos problemas, reformulação dos velhos problemas ainda não respondidos... Quem sou? De onde vim? Para onde vou? O que é a morte? O que é a vida? O que é certo e o que é errado? O que é a verdade? Grandes problemas que parecem nunca ter uma solução definitiva, e assim caminha a humanidade na eterna busca da sabedoria. E tudo isto começou lá atrás, a 2500 anos. Quer saber como? Entremos então na máquina do tempo da imaginação e desembarquemos na Grécia Antiga, reino de grandes histórias míticas, onde grandes poetas como Homero e Hesíodo, que nas suas tragédias e comédias, cantavam odes as deusas e deuses.

Educação de quarto mundo

"Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso?"


No meio da tragédia do Haiti, que comove até mesmo os calejados repórteres de guerra, levo um choque nacional. Não são horrores como os de lá, mas não deixa de ser um drama moral. O relatório "Educação para todos", da Unesco, pôs o Brasil na 88ª posição no ranking de desenvolvimento educacional. Estamos atrás dos países mais pobres da América Latina, como o Paraguai, o Equador e a Bolívia. Parece que em alfabetizar somos até bons, mas depois a coisa degringola: a repetência média na América Latina e no Caribe é de pouco mais de 4%. No Brasil, é de quase 19%.


No clima de ufanismo que anda reinando por aqui, talvez seja bom acalmar-se e parar para refletir. Pois, se nossa economia não ficou arruinada, a verdade é que nossas crianças brincam na lama do esgoto, nossas famílias são soterradas em casas cuja segurança ninguém controla, nossos jovens são assassinados nas esquinas, em favelas ou condomínios de luxo somos reféns da bandidagem geral, e os velhos morrem no chão dos corredores dos hospitais públicos. Nossos políticos continuam numa queda de braço para ver quem é o mais impune dos corruptos, a linguagem e a postura das campanhas eleitorais se delineiam nada elegantes, e agora está provado o que a gente já imaginava: somos péssimos em educação.


Pergunta básica: quanto de nosso orçamento nacional vai para educação e cultura? Quanto interesse temos num povo educado, isto é, consciente e informado - não só de seus deveres e direitos, mas dos deveres dos homens públicos e do que poderia facilmente ser muito melhor neste país, que não é só de sabiás e palmeiras, mas de esforço, luta, sofrimento e desilusão?


Precisamos muito de crianças que saibam ler e escrever no fim da 1a série elementar; jovens que consigam raciocinar e tenham o hábito de ler pelo menos jornal no 2° grau; universitários que possam se expressar falando e escrevendo, em lugar de, às vezes com beneplácito dos professores, copiar trabalhos da internet. Qualidade e liberdade de expressão também são pilares da democracia. Só com empenho dos governos, com exigência e rigor razoáveis das escolas - o que significa respeito ao estudante, à família e ao professor - teremos profissionais de primeira em todas as áreas, de técnicos, pesquisadores, jornalistas e médicos a operários. Por que nos contentarmos com o pior, o medíocre, se podemos ter o melhor e não nos falta o recurso humano para isso? Quando empregarmos em educação uma boa parte dos nossos recursos, com professores valorizados, os alunos vendo que suas ações têm conseqüências, como a reprovação – palavra que assusta alguns moderníssimos pedagogos, palavra que em algumas escolas nem deve ser usada, quando o que prejudica não é o termo, mas a negligência. Tantos são os jeitos e os recursos favorecendo o aluno preguiçoso que alguns casos chegam a ser bizarros: reprovação, só com muito esforço. Trabalho ou relaxamento têm o mesmo valor e recompensa.


Sou de uma família de professores universitários. Exerci o duro ofício durante dez anos, nos quais me apaixonei por lidar com alunos, mas já questionava o nível de exigência que podia lhes fazer. Isso faz algumas décadas: quando éramos ingênuos, e não antecipávamos ter nosso país entre os piores em educação. Quando os alunos ainda não usavam celular e iPhone na sala de aula, não conversavam como se estivessem no bar nem copiavam seus trabalhos da internet - o que hoje começa a ser considerado normal. Em suma, quando escola e universidade eram lugares de compostura, trabalho e aprendizado. O relaxamento não é geral, mas preocupa quem deseja o melhor para esta terra.


Há gente que acha tudo ótimo como está: os que reclamam é que estão fora da moda ou da realidade. Preparar para as lidas da vida real seria incutir nos jovens uma resignação de usuários do SUS, ou deixar a meninada "aproveitar a vida": alguém pode me explicar o que seria isso?


LUFT, Lya. In VEJA Edição 2150/3 de fevereiro de 2010

Por que as pessoas mentem?


De acordo com o dicionário Howaiss (sic), mentira significa “dizer, afirmar ser verdadeiro (aquilo que se sabe falso); dar informação falsa (a alguém) a fim de induzir ao erro, não corresponder a (aquilo que se espera); falhar, faltar, errar, causar ilusão a; dissimular a verdade; enganar, iludir, não revelar; esconder, ocultar. Tais definições, no entanto, pouco dizem sobre os porquês da mentira. Por isso, vamos apresentar uma definição relacional (que leve em consideração o seu contexto), a partir do conceito de comportamento verbal. Beckert (2004) propõe que mentiras, promessas não cumpridas e omissões podem ser compreendidas quando se investiga a relação entre o comportamento verbal – o que se diz – e o comportamento não-verbal – o que se faz.

11 perguntas que a ciência (ainda) não consegue responder


Li esta matéria numa revista ISTOÉ e achei bastante interessante as questões apontadas. Vale a pena conferir. Abaixo segue a introdução à matéria.


“Quem pensa pouco erra muito.” A frase é de Leonardo Da Vinci, um dos maiores gênios que o mundo já conheceu nos mais diversos campos do conhecimento. E retrata à perfeição o combustível que move esta reportagem. A ciência já alcançou feitos revolucionários ao longo da história. Há 100 anos, a ideia de navegarmos pelo espaço e chegarmos à Lua não passava de ficção – como é hoje a proposta de termos, quem sabe em um futuro próximo, gente vivendo na superfície do satélite terrestre.

Mais um exemplo: a nanotecnologia enche milhões de enfermos de esperança ao criar robôs menores que a ponta de um fio de cabelo, capazes de realizar viagens pelo interior do corpo humano em busca de todo tipo de cura. Mas, apesar de toda essa evolução tecnológica, ainda há questões – e não são poucas – para as quais os cientistas permanecem sem respostas. A seguir, você conhecerá 11 delas. Para analisar esses mistérios, ISTOÉ conversou com especialistas de várias áreas, levantou hipóteses, derrubou mitos e abriu espaço para opiniões diversas.

O debate está aberto e envolve desde aspectos quase metafísicos – um deles: a alma existe? – até temas totalmente cotidianos, como a capacidade de raciocínio dos animais. Se o leitor não sabe o que fazer diante de tantas interrogações, não se sinta só. Lembre-se de que nada nos impede, com a preciosa ajuda da ciência, de tentar encontrar as respostas. Nada nos impede, como dizia Da Vinci, de pensar a respeito. E pensar muito.

Clique aqui para ver a matéria completa

O que é mesmo uma crônica?

Geralmente chamam de crônica ao conto a que falta o final. Irrita-me esse visual de cão sem rabo, girando, doido, atrás de nada. Assim posto, dá a ideia de gênero literário amputado por incapacidade ou crueldade mental do autor. A crônica na verdade não precisa ter fim, momento em que o escritor amarra o sentido de tudo, ou fixa-o como se usasse parafusos e buchas - a parte mais material e envernizada da criação. Não precisa.

O fecho, encerramento ou epílogo, é um departamento complicado, onde antigamente havia uma gaveta para a moral da história e para outros compromissos do escritor com a religião, a ética e a tradição. Muitos supõem, também erradamente, que a crônica, ramo econômico das letras, sem espaço para alinhavar e aprofundar conclusões, nem tamanho para conter finais apoteóticos, não passa de malabarismo ligeiro, show de bolso, sem grandiosidade. Uma quase-literatura de consumo dietético. Mas a crônica é mais, muito mais que isso, mesmo as que não têm fim nem começo.

Disse começo? Então está dito. Não sou homem de desmentidos após a invenção do teipe e do tira-teima esportivo. O começo numa crônica pode ser tão desnecessário como o final, pois, igual à esfera e ao infinito, ela realmente não possui. A primeira linha, anotem, nem os outros gêneros literários é rigorosamente o princípio. É até lugar-comum reprovável começar pelo começo. Na crônica nem precisa haver esse cuidado excessivamente pueril, pobre de imaginação e esquemático. Ordena tudinho, colocando fatos e ideias obedientemente em fila, é deficiência de principiante. Quem é que sabe o exato momento em que as coisas começam? Entre gêneros literários, a crônica é o único que, humildemente, parte desse pressuposto: vida e ficção não têm nenhum marco, espécie de ponto de ônibus, onde se vai daqui até lá. Nada começa, pois já está em curso. Nosso ônibus pode chegar, claro, mas não parte nunca, já partiu, já passou.

Então ela não tem pé nem cabeça.

Pode ser, mas aceite a inquirição como elogio. E declare:
- O que escrevo não tem pé nem cabeça.
- E custa atingir essa perfeição?
- Isso já é segredo profissional.

A boa crônica, a meu ver e não sei de quem mais, o meio ou miolo, é sumo, não casca. Tendo as pontas soltas bóia deliciosamente, caia onde cair. É um sanduíche sem as fatias de pão. Não tendo assinado contrato com a posteridade, é feita para servir já, quente ou gelada, em pó ou granulada. Ao contrário do artigo de jornal, ela não prova, confere. Diferente do conto, nunca é terceira pessoa, o outro que fala, mas estritamente a primeira, o eu assumido, todo impressões digitais. Oposta à notícia, às vezes sua inspiradora, prima por não merecer crédito: a luz forte da imaginação jornalística espanta a fera insaciável da criação.

Se faltar uma definição para a crônica, tente definir o cronista. Nunca é um lutador, idealista, portador de bandeiras, alguém capaz de morrer para que desfrutemos de um mundo melhor. Se tentarem segui-lo, impondo-lhe liderança, entra num bar, disfarça-se, esconde-se. A verdade é que ele prefere sua sombra, seu lado oculto suas contradições ou qualquer coisa que se pareça com isso.

Se fui claro demais, perdoem-me.

Marcos Rey
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