"Que calor insuportável". "Tudo acaba em pizza". "Sempre tiram as coisas do lugar". "Que vizinho barulhento". "Esse país nunca vai dar certo"... Reclamar se tornou um hábito. É uma atitude que vai se tornando abrangente a ponto de atingir todos os aspectos do dia-a-dia; tornou-se mais contagioso do que pneumonia.
A televisão e a política não ajudam: o debate entre governo e oposição se baseia muito mais em acusações do que em argumentações construtivas e propostas concretas.
O ato de reclamar constitui uma reação episódica, instintiva e defensiva, diante de uma dor imprevista, física ou psíquica, que produz em nós um sofrimento agudo. Dessa forma, as nossas murmurações parecem uma nobre resposta aos limites da condição humana. Mas não é bem assim: em geral, as reclamações se alimentam sobretudo de pequenas contrariedades, de todas as circunstâncias desfavoráveis que não correspondem às expectativas ou aos desejos do momento.
Na família e no trabalho, essa situação é bem mais complexa: as expectativas pessoais, também inconsistentes, são maiores e os inconvenientes habituais se repetem com maior facilidade. Mas, na maioria dos casos, não há motivo para dramatizar as situações.
"Você não tem tempo pra mim", é um refrão muito conhecido pelos maridos. "Você não tem jeito: sempre deixa o leite derramar", este é conhecido pelas mulheres. As críticas dos pais aos filhos criam grandes problemas: reclamar na frente deles os predispõe para, no futuro, se comportarem da mesma maneira. Em outras palavras: só damos o que recebemos. Isso vale também para parentes e amigos, vizinhos e colegas, chefes, clientes e fornecedores.
"Que coisa! Quer dizer que a partir de hoje não tenho nem mesmo o direito de reclamar", rebaterá prontamente quem se irrita todo santo dia. A esse ponto, podemos dizer: "Continuem a reclamar, mas saibam que é contraproducente". E, sobretudo, reclamar das coisas não é nada viril. "O menino chorão, que se esconde em cada um de nós, é o verdadeiro artíficie de cada reclamação. Ele não é nada inocente: tem intenções fortemente críticas".
É verdade que não faltam motivos para extravasar a amargura da vida: fracasso pessoal, insucessos e erros, grosserias e maldades, incompreensão e falta de comunicação. Sem falar de impostos, aumento de preços, atrasos, filas... Temos todos os motivos para culpar o mundo inteiro, ou alguém em especial, que acaba se tornando o bode expiatório das nossas queixas.
Reclamar parece ser a liberação que dá satisfação e bem-estar. Mas isso é algo momentâneo. "Como acontece com quem usa álcool, cigarro e outras drogas que inicialmente propiciam uma satisfação excelente, pouco a pouco a reclamação pode criar insatisfação e dependência crescentes", esclarece o psicólogo italiano Luciano Balladio. Pode causar sérias consequências. Reclamar não somente traz grandes prejuízos para os relacionamentos interpessoais, mas também provoca outros efeitos: desqualifica a pessoa que é alvo da reclamação e - atenção pais, professores, orientadores, chefes, diretores, superiores e presidentes! - quando recriminamos uma pessoa, desacreditamos a nós mesmos.
Portanto, quem reclama é um perdedor e está em maus lençóis. O psicanalista italiano Franco Fornari sugere quatro atitudes para sair do círculo vicioso das reclamações. Ele recorre a expressões latinas sintéticas: "Mora tua vita mea, Mors mea vita tua (Tua morte é minha vida, minha morte é tua vida), Mors tua mors mea, Vita tua vita mea (Tua morte é munha morte, tua vida é minha vida)". As duas primeiras caracterizam relacionamentos de "reciprocidade de oposição" (vida x morte), as outras duas, de "reciprocidade de síntese": a primeira, negativa (morte tua, minha morte) e a segunda, positiva (tua vida, minha vida). A conclusão de Fornari é que os sucessos de um sobre o outro são vitórias de Pirro: uma derrota. Para além do imediato, alcança-se o resultado duradouro somente quando vencemos juntos. Lamentar-se, portanto, é ferir a si mesmo.
Existem outros princípios que podem ajudar a superar o vício da reclamação como, por exemplo, transformar adversidade e imprevistos em novas oportunidades; mudar incompreensão e erros em ocasião de comunicação e diálogo; não se limitar a ficar ruminando a amargura de um insucesso, mas refletir para vista de um objeto maior; não se alimentar rancores, mas agradecer as pessoas que nos deixaram em maus lençóis, que perderam a nossa confiança; podemos aprender sempre alguma coisa importante.
Na vida de família e comunitária, pode ser de grande ajuda a reformulação de duas perguntas: em vez de ""Mas por que você não consegue me entender?" (que é um apelo implícito a adequar as atitudes dos outros às nossas expectativas) podemos perguntar "Mas por que não consigo te compreender?" (pergunta que nos ajuda a entender gestos e pensamentos dos outros).
Esse mesmo princípio vale para outra pergunta: no lugar de "Por que você age assim?", "Por que eu ajo dessa maneira?".
É fundamental ter uma visão diferente das coisas: em cada uma das pessoas que nos circundam, em cada um dos episódios - pessoais, profissionais e sociais - que nos acontecem, podemos procurar ver o positivo no lugar de ver sempre o negativo. Essa atitude também é aconselhável nas situações de sofrimento físico, moral ou espiritual.
A arte de nunca se lamentar implica, definitivamente, na arte de interrogar: a nós mesmos, a própria existência e, sobretudo, os outros. Podemos assim experimentar mudar os nossos comportamentos que causam reclamações e dessa forma contribuir para enfrentar os problemas criados pelo sofrimento e mal-estar, pressupostos de cada queixa.
A disciplina de não reclamar deve ser acompanhada pelo esforço de se aperfeiçoar progressivamente, junto com outros e graças a eles. Este ingrediente pode ser de grande auxílio: saber sorrir dos próprios erros, limites e fraquezas, para poder depois sorrir das mesmas faltas que encontramos nos outros. Como não falta matéria-prima, a diversão é certa.
O psicólogo Pasquale Iónata [...] acrescenta que houve uma diminuição "da aceitação de si mesmo e da realidade assim como ela é. A sociedade consumista e hedonista cria a competição, e somos solicitados a toda hora a nos comparar com os outros A insatisfação é maior nos grandes centros do que nos pequenos".
Conselhos? Considerar que as palavras que usamos são verdadeiros bumerangues, retornam sempre. Nunca subestimar o que dizemos, porque "quem com ferro fere, com ferro será ferido". Eliminar atitudes de vítima, aceitando a si mesmo e passando à ação para mudar a circunstância que gera a reclamação.
Já alguns milênios atrás, a sabedoria chinesa dizia: "Se não podes fazer nada, por que reclamas? Se podes fazer alguma coisa, por que reclamas?"
Paulo Lóriga
Adaptado de: Revista Cidade Nova, nº 4, Abril de 2006.
Ilustrações: (1) Autor desconhecido, tradução minha; (2) Autor desconhecido, obtida aqui; (3) Felipe Luiz Fatarelli, obtida aqui
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