Sem corante? Ficamos brancos

WASHINGTON - Sem o corante artificial Amarelo Nº 6 da FD&C, os Salgadinhos Cheetos Sabor Queijo pareceriam as larvas murchas de um grande inseto. Não é de surpreender que, em testes de paladar, as pessoas não mostraram muita vontade para comê-los.

Seus dedos não ficaram laranja. E seus cérebros não registraram muito sabor de queijo, mesmo que o Cheetos tivesse o mesmo gosto de quando havia corante.

“As pessoas disseram que o gosto era suave, e que não era muito legal de se comer”, segundo Brian Wansink, professor da Universidade de Cornell e diretor do Laboratório de Alimentos e Marcas da universidade.

O Cheetos puro não teria muito futuro comercial. Nem algumas marcas de picles. O processo de fabricação destes transforma-os em massas acinzentadas nada apetitosas. O corante é o responsável pelo seu verde robusto. As minhocas de goma sem a coloração artificial, bem, pareceriam mais minhocas pegajosas translúcidas. A gelatina sairia da geladeira com a mesma cor da água.

Sem dúvida, o mundo seria muito mais chato sem os corantes artificiais alimentícios. Seria também um lugar mais seguro? O Centro Para a Ciência do Interesse Público, um grupo de advocacia, pediu ao governo para banir os corantes artificiais porque os tipos usados em alguns alimentos poderiam piorar a hiperatividade de algumas crianças.

“Esses corantes não têm nenhuma finalidade, a não ser vender porcarias”, segundo Marion Nestle, professor de nutrição, estudos alimentícios e saúde pública da Universidade de Nova Iorque.

Um grupo de especialistas do governo concluiu que não há provas de que corantes possam causar problemas na maioria das crianças, e que quaisquer que sejam os problemas que eles possam causar em algumas delas, não é garantido um banimento ou uma etiqueta de aviso além do que já é necessário - uma nota que informa a coloração artificial.

“A cor é uma parte tão crucial da experiência alimentar que banir os corantes tiraria uma boa parte do prazer da vida”, afirma Kantha Shelke, uma química alimentícia e porta-voz do Instituto de Tecnólogos Alimentícios. “Vamos realmente banir tudo quando apenas uma pequena parte de nós é sensível?” Além disso, a cor define também o gosto em testes de paladar. Quando a coloração sem gosto amarela é adicionada ao pudim de baunilha, os consumidores dizem que ele tem gosto de pudim de banana ou limão. E quando os sabores de manga ou limão são adicionados ao pudim branco, a maioria dos consumidores dizem que ele tem gosto de baunilha. A cor cria uma expectativa psicológica para um certo sabor que é praticamente impossível de se desfazer, afirma a Dra. Shelke.

“A cor pode realmente substituir as outras partes da experiência de comer”, disse ela em uma entrevista.

Mesmo assim, algumas companhias alimentícias têm expandido sua oferta de produtos industrializados para incluir alimentos sem coloração artificial. Refrescos da Kool-Aid e alimentos orgânicos da Kraft Foods são exemplos disso. Algumas redes de docerias americanas inclusive se recusam a vender alimentos com coloração artificial.

Até agora, os corantes naturais não provaram ser uma boa alternativa. Geralmente eles não são tão claros, baratos ou estáveis quanto os artificiais, que podem manter a cor original por anos. Os corantes naturais geralmente perdem a cor em poucos dias.

Todd Miller, o chef executivo de massas da Hello Cupcake, em Washington, disse ser voltado aos ingredientes naturais e simples. Seus bolos são feitos com farinha e manteiga, e a cor vermelha da sua cobertura vem do purê de morango.

Mas o chocolate granulado que decoram a maioria de suas criações têm sua coloração derivada do bom e velho petróleo, a fonte dos corantes artificiais. E ele não pretende mudar isso porque os naturais não são tão coloridos.

“Eu poderia viver sem o chocolate granulado, mas por que eu o faria?” pergunta ele. “São bolinhos. É para serem engraçados.”

Gardiner Harris, do New York Times

Tradução: Gabriel Gutierrez P. Soares (Gutierrez PS)
Revisão: Carol-chan Dias

Retirado de: http://www.nytimes.com/2011/04/03/weekinreview/03harris.html
Acesso em: 10/07/2011, às 14h36min GMT -03:00
Publicado em: 22 de abril de 2011

Se Escola fosse Estádio e Educação fosse Copa…

Passeio, nesses últimos dias, meu olhar pelo noticiário nacional e não dá outra: copa do mundo, construção de estádios, ampliação de aeroportos, modernização dos meios de transportes, um frenesi em torno do tema que domina mentes e corações de dez entre dez brasileiros.

Há semanas, o todo-poderoso do futebol mundial ousou desconfiar de nossa capacidade de entregar o “circo da copa” em tempo hábil para a realização do evento, e deve ter recebido pancada de todos os lados pois, imediatamente, retratou-se e até elogiou publicamente o ritmo das obras.

Fiquei pensando: já imaginaram se um terço desse vigor cívico-esportivo fosse canalizado para melhorar nosso ensino público? É… pois se todo mundo acha que reside aí nossa falha fundamental, nosso pecado social de fundo, que compromete todo o futuro e a própria sustentabilidade de nossa condição de BRIC, por que não um esforço nacional pela educação pública de qualidade igual ao que despendemos para preparar a Copa do Mundo?

E olhe que nem precisaria ser tanto! Lembrei-me, incontinenti, que o educador Cristóvam Buarque, ex-ministro da Educação e hoje senador da República, encaminhou ao senado dois projetos com o condão de fazer as coisas nessa área ganharem velocidade de lebre: um deles prevê simplesmente a federalização do ensino público, ou seja, nosso ensino básico passaria a ser responsabilidade da União, com professores, coordenadores e corpo administrativo tendo seus planos de carreira e recebendo salários compatíveis com os de funcionários do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal.Que tal? Não é valorizar essa classe estratégica ao nosso crescimento o desejo de todos que amamos o Brasil? O projeto está lá… parado, quieto, na gaveta de algum relator.

O outro projeto, do mesmo Cristóvam, é uma verdadeira “bomba do bem”. Leiam com atenção: ele, o projeto, prevê que “daqui a sete anos, todos os detentores de cargo público, do vereador ao presidente da república serão obrigados a matricular seus filhos na rede pública de ensino”. E então? Já imaginaram o esforço que deputados (estaduais e federais), senadores e governadores não fariam para melhorar nossas escolas sabendo que seus filhos, netos, iriam estudar nelas daqui a sete anos? Pois bem, esse projeto está adormecido na gaveta do senador Antônio Carlos Valladares, de Sergipe, seu relator. E não anda. E ninguém sabe dele.

Desafio ao leitor: você é capaz de, daí do seu conforto, concordando com os projetos, pegar o seu computador e passar um e-mail para o senador Valadares (antoniocarlosvaladares@senador.gov.br) pedindo que ele desengavete essa “bomba do bem”? É um ato cívico simples. Pela educação. Porque pela Copa já estamos fazendo muito mais.

Jorge Portugal, educador e apresentador de TV

Retirado de: http://www.jorgeportugal.com.br/blog/2011/04/se-escola-fosse-estadio-e-educacao-fosse-copa/
Acesso em: 07/07/2011, às 22h00min GMT -3
Ilustração: Castro Mello Arquitetos

Os meninos-lobo - Cláudio de Moura Castro

Nossa juventude estará mal preparada para a sociedade civilizada se insistirmos em uma educação que produz uma competência linguística pouco melhor do que a de meninos-lobo

No velho conto de Rudyard Kipling Mogli, o Menino-Lobo, o autor descreve uma criança que, adotada por uma loba, cresce sem jamais haver usado uma só palavra humana, até ser encontrada e se integrar à sociedade. O conto é atraente, mas cientificamente absurdo. Porém, houve outros casos, supostamente reais, de crianças criadas por animais. E também casos reais (até recentes) de crianças que cresceram isoladas e sem oportunidades de aprender a falar.

Faz tempo, meninos-lobo e outros jovens criados sem interação humana despertaram o interesse da psicologia cognitiva e da linguística. A razão é que seriam um experimento natural que permitiria responder a uma pergunta crucial: esses jovens, sem conhecer palavras, poderiam pensar como os demais humanos?

A questão em pauta era decidir se pensamos porque temos palavras ou se seria possível pensar sem elas. Como os meninos-lobo não conheciam palavras, se podiam pensar, teria de ser sem elas. Nos diferentes casos de crianças criadas em isolamento, ficou clara a enorme dificuldade de ajustamento que elas encontraram ao ser reabsorvidas pela sociedade. Muitas jamais se ajustaram, fosse pelo trauma do isolamento, fosse pela impossibilidade de pensar humanamente sem palavras. Mas o fato é que não desenvolveram um raciocínio (abstrato) classicamente humano.

O interesse pelos meninos-lobo feneceu. Mas se aprendeu muito desde então, e hoje não se acredita que o pensamento sem palavras seja possível – pelo menos, o pensamento simbólico que é a marca dos seres humanos. Ou seja, Mogli não seria capaz de pensar.

"Vivemos em um mundo de palavras", diz o celebrado antropólogo Richard Leakey. "Nossos pensamentos, o mundo de nossa imaginação, nossas comunicações e nossa rica cultura são tecidos nos teares da linguagem... A linguagem é o nosso meio... É a linguagem que separa os humanos do resto da natureza." Para o neuropaleontólogo Harry Jerison, precisamos de um cérebro grande (três vezes maior do que o de outros primatas) para lidar com as exigências da linguagem.

Portanto, se pensamos com palavras e com as conexões entre elas, a nossa capacidade de usar palavras tem muito a ver com a nossa capacidade de pensar. Dito de outra forma, pensar bem é o resultado de saber lidar com palavras e com a sintaxe que conecta uma com a outra. O psicólogo Howard Gardner, com sua tese sobre as múltiplas inteligências, talvez diga que Garrincha tinha uma "inteligência futebolística" que não transitava por palavras. Mas grande parte do nosso mundo moderno requer a inteligência que se estrutura por intermédio das palavras. Quem não aprendeu bem a usar palavras não sabe pensar. No limite, quem sabe poucas palavras ou as usa mal tem um pensamento encolhido.

Talvez veredicto mais brutal sobre o assunto tenha sido oferecido pelo filósofo Ludwig Wittgenstein: "Os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento". Simplificando um pouco, o bem pensar quase que se confunde com a competência de bem usar as palavras. Nesse particular não temos dúvidas: a educação tem muitíssimo a ver com o desenvolvimento da nossa capacidade de usar a linguagem. Portanto, o bom ensino tem como alvo número 1 a competência linguística.

Pelos testes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), na 4ª série 50% dos brasileiros são funcionalmente analfabetos. Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), a capacidade linguística do aluno brasileiro corresponde à de um europeu com quatro anos a menos de escolaridade. Sendo assim, o nosso processo educativo deve se preocupar centralmente com as falhas na capacidade de compreensão e expressão verbal dos alunos.

Ao estudar a Inconfidência Mineira, a teoria da evolução das espécies ou os afluentes do Amazonas, o aprendizado mais importante se dá no manejo da língua. É ler com fluência e entender o que está escrito. É expressar-se por escrito com precisão e elegância. É transitar na relação rigorosa entre palavras e significados.

No conto, Mogli se ajustou à vida civilizada. Infelizmente para nós, Kipling estava cientificamente errado. Nossa juventude estará mal preparada para a sociedade civilizada se insistirmos em uma educação que produz uma competência linguística pouco melhor do que a de meninos-lobo.

Cláudio de Moura Castro, economista


Retirado de: http://veja.abril.com.br/080709/meninos-lobo-p-024.shtml 
Acesso em: 07/07/2011, às 15h19min GMT -3
Iustração: Atômica Studio
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